Especial: Leuven

Por: Leonardo Rocha

Depois de meu editor chefe Luiz Gustavo Freire (Luizão, apelido criado pelos funcionários mais amedrontados) quase me demitir, resolvi que era hora de fazer o texto requisitado por sua pessoa. Então vamos lá.

Já tinha realizado um intercâmbio de 2 meses para Índia, no começo de 2013. Sim, Índia. Mas deixemos Gandhi e outros gurus de lado. No primeiro semestre de 2014, me dei conta de que nunca tinha ido a Europa. Ok, decidi ir ao Velho Continente. E agora, para onde vou?

Minha filtragem levou em conta as seguintes variáveis: vida social, qualidade da faculdade, número de cachorros por habitante (só pra checar se o leitor está lendo direito), possibilidade de viajar facilmente para outros países (a Bélgica está no meio do continente) e presença de cursos de teologia. Sim, teologia. Queria virar um monge Belga criador de cervejas artesanais, mas me barraram no mosteiro.

monges
Foto dos monges que barraram minha inserção cultural, religiosa e alcoólica em Leuven.

Mas sério agora: conforme o texto for andando, vocês verão como Leuven tem tudo isso.

Depois de ser aceito e realizar todas as tarefas chatas do consulado, como provar que não estou levando doenças tupiniquins para fora e 2 malas cheias (que depois descobri que era exagero), parti no final de agosto, sendo que minhas aulas começariam lá pelo dia 16 Setembro. Reservei esse tempo para viajar.

Depois do frio na barriga e dos medos clássicos no aeroporto você chega. Nesse momento desci numa estação central de Bruxelas, e andei em direção a meu Hostel. Um Belga apareceu do nada, perguntando se eu queria ajuda com as malas. No começo fiquei desconfiado como todo Brasileiro ficaria, mas resolvi aceitar. Conforme conversamos, descobri que ele viajaria para o Brasil para lutar Jiu Jitsu. Quando chegamos no albergue, esquecemos de trocar contatos.

Lição: Em um intercâmbio, não se esqueça de pegar contatos.

Depois de passar 4 dias turistando sozinho por Bruxelas e visitando os principais pontos turísticos, o que mais gostei foi um parque gigante do lado do Atomium. A história por trás de sua criação é bem interessante. Foi feito em 1958 para a Exibição Intenacional em Bruxelas, e seria um símbolo para a indústria Belga, que mostraria seu potencial no evento.

Atomium, Stadtteil Laeken, Br?ssel, Brabant, Belgien
Construído em 1958, o Atomium representa um cristal elementar de ferro ampliado 165 mil milhões de vezes, com tubos que ligam as 9 partes formando 8 vértices.

Também está relacionado ao coração de todas as ciências que explicam a formação da matéria, mostrando a importância de que toda a mudança no mundo ocorre primeiro em uma escala infinitesimal.

Não subi nele, pois estava cheio, então resolvi dar uma volta. Estava chovendo forte, mas eu possuía meu amigo guarda-chuva de 5 euros. A chuva forte se juntou com um momento de silêncio e calma, que me fez ficar nesse parque por cerca de uma hora, apenas andando. Na verdade eu não sabia exatamente se era um parque. Parecia um Ibirapuera sem muros. Lembro até de ver um tipo de teatro aberto, tipo aqueles da Grécia, onde o palco era em um nível mais baixo que a “arquibancada” de pedra.

Depois de 4 dias em Bruxelas, fui para Leuven – uns 3 dias, para organizar toda a parte burocrática da faculdade, que era bem chata. A cidade, de 100.000 habitantes, estava vazia. Me falaram que era por causa do período de férias dos estudantes, já que a faculdade era responsável por metade da população da cidade.

Depois disso, passei cerca de uma semana em Lisboa, Portugal, na casa de amigos brasileiros. Ela é resumida assim: parece um centro de São Paulo mais bem cuidado; o pastel de Belém é realmente foda; calor e mar gelado; baladas em frente ao mar com fumantes do lado de dentro e muitas músicas brasileiras; 7 colinas com lindas vistas e construções; vinhos baratos.

Depois desse período em Portugal, fiquei uns 3 dias na França, Paris, resumida da seguinte forma: vinhos e comida cara; arquitetura incrível; baladas estritamente rígidas com vestuário; museu do Louvre gigante; vista da Torre Eiffel sem palavras.

Antes de continuar para Bélgica, é importante notar que passei mais que 10 dias viajando apenas com uma mochila. É totalmente possível se você lavar sua roupa. Também é legal constatar que quase perdi o voo de Lisboa para Paris.

Lição 2: Nunca deixe para sair na última hora.

Bom, Leuven de cara era assim: uma cidade circular, como várias outras na Europa, pois possuíam muros para se proteger de invasões na Idade Média. Você conseguia atravessar a cidade de bicicleta em cerca de 15 minutos, indo da fábrica da Stella, responsável por mais ou menos 50% do fornecimento mundial, até a alguma igrejinha gótica em um canto da cidade. Restaurantes turcos com seus kebaps eram espalhados por toda cidade, além de frituurs – lojinhas de comida porcaria que vendiam as famosas batatas fritas belgas – fritas 2 vezes, além de outros snacks.  O clima em setembro ainda estava bom, você conseguia colocar uma camiseta comprida e estava tranquilo. O principal ponto do ponto se chamava Oude Markt, popularmente conhecido como o “maior bar da Europa”.

Leuven_oudemarkt_400
Oude Markt.

É uma mistura de praça e avenida que junta cerca de 40 bares independentes, cada um com seus estilos. A maioria, baladas comuns (o Archif até possuía pessoas aleatórias tocando violino e shots de graça), uma ou outra de rock, e outras alternativas. 99% com entrada de graça, algo lindo para o bolso. Havia um que se chamava 7 Oaks – o bar que fechava quase na hora do almoço, famoso pelo público: estudantes que não pegaram ninguém durante a noite, e vão até o 7 Oaks agir como o Rambo, atirando para todos os lados.

Outra coisa bacana é que quase ninguém possui carro. Os estudantes costumam usar bicicletas para se locomover (alugadas ou não). Imaginem o que acontece na hora de voltar dos bares…existe até um rio famoso onde bicicletas roubadas são jogadas – sim, o ladrão rouba a bicicleta e joga no Rio para não ser pego –  e a policia não deixar ninguém tirá-las de lá. Imagine tentar achar sua bicicleta muito bêbado? Explicado. Era também comum ver estudantes roubando placas de transito, semáforos… Sim, semáforos.

Minha acomodação era um casarão com 3 andares, e cerca de 24 quartos por andar. Havia apenas uma cozinha e alguns chuveiros por andar. Era o tipo de acomodação subsidiada pela faculdade, então a maioria das pessoas que moravam lá eram Belgas, com exceção de alguns intercambistas. Fiz muitas amizades boas nesse lugar. O engraçado era que apesar de morar com uma maioria belga, vários possuíam famílias que vinham de outros lugares. Isso se tornou comum depois da segunda guerra, quando italianos, turcos e russos migraram para trabalhar nas minas, com ajuda de incentivos do governo. Um possuía pais italianos e gostava de heavy metal, assim como eu, dessa forma o corredor ficava sempre bem servido musicalmente. Além disso, ele me fornecia azeite caseiro da Itália – em troca, eu o ensinei a tocar um pouco de guitarra. Havia outro belga com pais russos, um dos caras mais loucos que conheci na minha vida – tanto pelo consumo de vodka como sustos súbitos saindo do meu armário. Imaginem vocês voltando do quarto de amigos da mesma acomodação, depois de um bom papo (conversamos com os outros diretos, just chilling). Então você entra em seu quarto com aquele clássico assovio de desenhos animados, quando de repente, um russo louco sai do seu armário e você pensa que será morto. Isso além de uma amiga que sempre me ajudava com compras de roupas de frio e outras coisas que precisava, e outro amigo turco que me convidou para ir até a cidade dele…

Leuven fica na província de Flandres, no norte. O país politicamente é bem divido, e o governo atual é de extrema direita (no poder não faz nem um ano). Consegui perceber várias reclamações das pessoas, acostumadas na maioria do tempo com um governo assistencialista. Além disso, há muito preconceito com estrangeiros. Exemplos e situações que enxerguei de turcos me contando sobre discriminação explícita em escolas, bares e até na rua.

Eu estava em Leuven quando o episódio terrorista aconteceu em Bruxelas. A repercussão foi grande, e conversei bastante com uma amiga a respeito disso. O mais interessante foi o comentário dela: “Sabe, apesar de sermos pequenos, não somos um país unido. Se não lidamos bem com problemas internos, como lidar com isso? Somos um ponto de partida fácil para um discurso e, posteriormente, ações de ódio”. Outro fato interessante é que durante uma semana, havia drones em Leuven – não os vi, estava viajando em outros locais na Europa, que talvez fique para outro texto.

Bom, voltando para meu dia a dia lá, havia outro local onde ficava na maior parte do tempo. A casa de dois amigos metade brasileiros metade espanhóis. Costumávamos ir ao Old Markt, ou fazer jantares com nossos amigos, seguidos de filmes ou Street Fighter de Super Nintendo no telão. Sim, éramos felizes.

Quanto às bebidas, a Bélgica é o paraíso pra quem gosta de cerveja. Além da fábrica da Stella que comentei antes, existem bares com o logo da Stella na frente.

stella_artois
Responsável por aproximadamente 50% da produção mundial da marca, a fábrica da Stella Artois é um dos marcos da cidade de Leuven.

Neles, eles não servem nenhuma outra bebida fermentada que não a queridinha da Ab Inbev. Apesar disso, para quem realmente entende, ela não é nada de mais – até mediana para fraca. Não estou dizendo que entendo – ainda não consigo gostar de cerveja. Se a Bélgica não me fez gostar, ninguém fará. Existe um bar gigante– o the Capital, que possuí um catálogo de cervejas do tamanho de uma lista telefônica. Preço salgado, atendimento mais ou menos e variedade incrível. Se você já entende de cerveja, vá para lá. Agora se você procura conhecer a cerveja primeiro, vá para o De Blauwe Kater, bar de blues e jazz. Um local pequeno, menos de 20 mesas, garçonete atenciosa, que realmente te ajuda a achar a cerveja que você gosta.

Quando aos destilados e vinhos, posso dizer sobre minha experiência. Se você gosta de beber de forma barata, existem vinhos de 1,30 euros. Sim. Gosto de madeira absurdo, mas você bebe o que paga. A melhor bebida que experimentei lá, uma holandesa, é o Gold Strike. Licor de canela, 50%, com flocos de Parece fancy, mas nada muito caro. 15 euros pra 500ml. A Smirnoff até lançou uma copiando o Gold. A única diferença é que é 40% e o ouro não flutua. Um ou outro tá de sacanagem, hein?

Quanto a festas de faculdade, além dos eventos das organizações estudantis, existem os fakbars (bares da faculdade, onde 500ml de Stella é 1 euro), onde apenas estudantes da Katholic University of Leuven podem entrar. E o melhor de tudo: Cantus. Imagine um salão com várias mesas longas, pessoas sentadas de ambos os lados, e grandes jarras com cerveja ou sangria. Misture isso com: um líder com microfone; uma caixa de som; manuais com músicas em latim, holandês, inglês e francês; regras de jogo – como não poder ir ao banheiro antes de 20 minutos; penalidades, como um homem deitar em cima de uma mulher e eles cantarem uma música. Senti-me em um bar pirata. Quando acaba o jogo, todos vão para o fakbar, para continuar a festa.

Bom, já escrevi demais. De maneira direta e motivadora: faça um intercâmbio. Vá pra lugares que vocês nunca foram. Você pode não perceber como esse tipo de experiência vai te mudar. Você pode até não mudar de imediato. Mas as lembranças nunca saíram de você. E você nunca sairá da vida das pessoas que tocou no processo.

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