Por Luiz Gustavo Freire
Em minha primeira noite, confesso que fiquei desapontado com o hostel que escolhi, mas estava tão exausto que só dormi (cheguei às 22h na acomodação). Na manha seguinte, eu acordei e consegui ficar mais desapontado ainda com o albergue. O Sleepy Kiwi é um hostel de curta permanência feito para mochileiros, e os dias antecedentes ao Orientation Day da SMU (Singapore Management University) – faculdade pela qual eu estudo – costumam fazer com que o hostel vire um abrigo para os intercambistas que não sabem onde morarão.
O hostel em si eu achei bem ruinzinho, ele era sujo, e tudo ali parecia meio improvisado. Aquele imóvel com certeza não foi feito para ser um albergue, me pergunto qual albergue foi planejado e programado para ser um, mas experiências que já tive em Kuala Lumpur e em meu novo hostel me dizem que o Sleepy Kiwi não é bom. Entretanto ele não era um desastre. A atmosfera do alojamento era de muita paz, alegria e amizade. Parecia que todos se conheciam há muito tempo, afinal quase todos estudariam na mesma universidade.
A região era ótima, perto do centro de Cingapura e bem próxima à SMU, no coração do distrito árabe. Se você deseja conhecer uma cidade em pouco tempo, a melhor localização que pode ser escolhida por você, querido leitor, é o centro do município. Existem certas restrições com relação ao fato de a cidade ser perigosa em sua região central, mas a termos de reconhecimento de território, é o lugar mais estratégico possível. O problema do Sleepy Kiwi era que os pontos negativos superavam os positivos. Eu não via a hora de sair de lá, ou seja, não o recomendo a quem for para Cingapura.
Em meu primeiro dia eu ainda estava meio cansado da viagem, mas não imagino um começo melhor de intercâmbio. No período da manhã corri atrás de pontos cruciais para minha sobrevivência na terra do leão, que não possui leões. Um chip pré-pago com 4G já tirou um grande peso das minhas costas, pois com ele consigo fazer uso de certos aplicativos a fim de me comunicar, deslocar e informar sem grandes dificuldades. Durante a manhã também obtive um cartão de transporte, já que aqui é obrigatório ter posse de um desses se você tem a intenção de andar de transporte público, ou seja, não existe ticket para uma ou duas viagens.

Era hora do almoço, eu estava faminto e curioso para ter a minha primeira refeição na Ásia. Encontrei meus companheiros intercambistas do Insper, a Marie, o Menezes e a Paloma.
Após 5 minutos de conversa, descobri que tínhamos um almoço marcado com dois cingapurianos, amigos de um intercambista que foi ao Brasil semestre passado (eu sei que é confuso, mas é por aí). Eles se chamam Bryan e Ray, e resolveram aplicar um choque cultural em nossos estômagos, levando-nos à Chinatown.
Como estávamos em 6, eles pediram meia dúzia de pratos diferentes para que dividíssemos e provássemos um pouco de tudo. Eu estava verde de fome, porém agora começava a ficar branco de medo, pois das 5 primeiras refeições eu não conseguia comer nada que estava sobre a mesa. Naquele instante eu achei que ao invés de sair de Cingapura com um certificado de economia de baixo dos braços, eu deixaria a Ásia com as habilidades e características físicas de um verdadeiro faquir.

Mas no sexto e último prato, Ray colocou sobre a mesa duas coxinhas, duas asas e um peito de frango, do jeitinho brasileiro, com aquela pelinha dourada capaz de entupir qualquer artéria.
Eu, da maneira exagerada que sou, já soltei:
– Cara, estou em casa!! – com aquela entonação de quem praticamente está na casa da avó em um almoço familiar no domingo.

Tudo ali era muito diferente do Brasil, e nada semelhante havia sido descoberto até então, a primeira familiaridade encontrada foi um frango. Tente imaginar minha alegria ao descobrir que eu, talvez, não precisasse virar um faquir.
Ao final do almoço ficamos papeando por mais uns 30 minutos, até que uma senhora chuva caiu sobre Chinatown. Ainda bem que estávamos em um lugar coberto, mas aquilo foi um aviso divino. Deus disse para mim, com uma voz bem imponente e grave:
– Compre um guarda-chuva, meu garoto.
– Naahh, não gosto de guarda-chuvas, nunca os usei direito. – respondi eu, com um tom meio desleixado.
Minha punição por desrespeitar uma ordem divina veio 7 dias depois, quando corri literalmente uma esquina debaixo de uma forte tempestade e cheguei no hostel pingando. Eu estava molhado ao ponto de imaginar que o resultado não seria muito diferente se eu entrasse em um chuveiro de roupa. Foi impressionante a forma com que a água me molhou naquele dia, o Morgan Freeman devia estar por perto naquele dia, é que os meus óculos estavam tão molhados que não consegui encontra-lo.

Aliás, na primeira semana fiquei meio triste com o clima. Todos os 7 dias da semana foram 100% nublados, com chuvas imponentes e constantes que caíam regularmente de 3 em 3 horas. O filme Forrest Gump retrata muito bem esse fenômeno nessa cena:
(https://www.youtube.com/watch?v=K2ihL_FrFPs).
Assim como eu, o Forrest costuma exagerar um pouco, porém a piada não deixa de ter fundo de verdade.
Devo agradecer a essas chuvas, são elas que impedem essa terra de virar um inferninho. Particularmente eu aprecio uma chuvinha, o que sinto falta é não ver o céu. Gosto de nuvens com personalidade, ou a ausência delas, só não suporto o mesmo céu cinzento de sempre. Assim que a temporada de chuvas acabar poderei testemunhar aos senhores como o Diabo é pessoalmente, pois já sinto que passarei por um calor dos capetão, como diria meu grande amigo Rafael Telles.
Os cingapurianos que conhecemos foram muito gente fina. Sério, o Bryan e o Dr.Ray foram tão legais que além de nos explicar o básico da cultura local, também fizeram um tour pelos principais pontos turísticos da Cidade-Estado conosco. Ficamos batendo perna das 14h30 até uma 20h sem parar. Sou muito grato a eles por essa atenção, e reforça minha teoria desse post: (Ooh Canada). Se um de seus interesses é conhecer melhor um lugar conviva com nativos da região. Fiquei surpreso por conseguir essa amizade logo no primeiro dia. Até terça-feira que vem, com relatos sobre minha primeira semana de aula e minha nova moradia.
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